sábado, 29 de novembro de 2008

CONHEÇAM O BLOG DO GANDAVO


Esse blog não é diferente de tudo que já fiz… Ainda bem!
Gostou do Blog do Gandavo? Então divulgue! Pelo menu à esquerda, você terá acesso às páginas de entrevistas, aos relatos no Canto dos Contadores e Otras Cositas Más! Que São Cascudo nos ilumine e Santa Sherazade abençoe!
Laerte Vargas
blogdogandavo@folha.com.br
Revisão de Texto: Gigi Barreto (gigiredatora@yahoo.com.br)
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quarta-feira, 14 de novembro de 2007

CONTAR HISTÓRIAS: SERÁ QUE EU LEVO JEITO?














ERA UMA VEZ...
Três palavras que abrem as comportas da imaginação, que nos convidam a visitar reinos inimagináveis e nos transportam para outras épocas. A partir do jogo do faz-de-conta, vamos conduzindo a criança no aprendizado da vida e, sem ter cara de aula, ensinamos ética, cultura geral e tantas outras lições apreendidas pela via do afeto!Mas... será que eu tenho jeito pra isso?Claro que sim! Todos nós temos um contador de histórias clamando por botar a boca no trombone. É preciso, no entanto, descobrir o seu estilo e o seu jeito muito próprio, inimitável, de contar histórias.A maioria dos educadores pensa que é preciso uma parafernália: bonecos, panos, sonoplastia e se dispor a extrapolar limites além da sua personalidade.Calma! Não é nada disso! Caras e bocas podem fazer a criança pensar: “mas que adulto idiota!”.Seja simples no contar, sofistique na escolha das histórias. Vamos falar dessa tal simplicidade? Pois bem, contar histórias é, acima de tudo, compartilhar. Crie para a Hora do Conto uma organização diferente das carteiras. Se for possível encostá-las e espalhar tapetes pelo chão, melhor ainda. À criança deve ser dada a possibilidade de ouvir deitada, sentada, encostada na parede, “futucando” o nariz, da forma que lhe der na telha! Se for impossível essa “desorganização” ou criar um canto para a contação de histórias na sala, organize as carteiras num semi-círculo - as histórias eram contadas assim nos tempos idos. A roda tem um efeito inclusivo mágico nesse momento.Mas simplicidade quer dizer contar a história de qualquer jeito? Na-na-ni-na-não! É claro que para dar voz a uma história, você deverá ter lido várias vezes o conto, grifado com cores diferentes palavras importantes na história, brincado com as imagens que elas suscitam e feito sua viagem muito particular pelo enredo que ela tece.Nada de treinar em frente ao espelho! Isso já era e, além do mais, somos, às vezes, os piores juízes de nós mesmos!Grave a história e deite-se numa atitude de relaxamento: nuca alongada, pernas dobradas e pés apoiados no chão, espaço entre as pernas correspondente à largura da sua bacia. Respire pausadamente, prestando atenção ao seu ritmo respiratório: expiração, pausa, inspiração, pausa, expiração. Dê um tempo para o seu corpo ir se soltando, a mente silenciando, nada de “musiquinha” de relaxamento; a idéia não é fazer você dormir e, sim, serenar a mente para receber o história.Então, ouça a história. Procure visualizar os personagens, o local onde a história acontece e não seja tão crítico nesse momento, use a gravação apenas como condutora da sua viagem. Perceba se existem lacunas na narrativa - contação não é cinema, com corte e edição. Se a princesa está na floresta e deseja chegar ao castelo, ela terá que sair da mata, pegar a estrada, entrar no reino, cruzar a praça principal para, finalmente, ver o castelo majestoso lááááááááááááá no alto da colina. Não pule etapas.E sinta a pulsação da história: expansão, pausa, contração, pausa, expansão...E aí? Foi bom pra você?Conseguiu ver a “cara” dos personagens? Sentiu um frio na espinha quando a assombração perseguiu a menina pelos corredores do castelo?Talvez aqui e ali tenha percebido que algumas palavras se repetem em demasia e seja melhor enriquecer o vocabulário das crianças com palavras novas; talvez o desenlace esteja acontecendo de um jeito súbito demais.Ótimo! Então, mãos à obra!Não conseguiremos “engravidar as palavras de sentido” se não formos viajantes do conto.E isso me faz lembrar um pré-requisito fundamental para um contador de histórias: uma boa dose de delírio.Pessoas muito racionais e práticas talvez venham a encontrar maior dificuldade para dar voz a uma história. Afinal, como acreditar que aquele sapo era um leão de pedra que vivera encantado durante anos na caverna do Elfo Azul e agora se transforma em príncipe frente aos olhos da Princesa Anã?Contar histórias é imaginar o inimaginável, o conto só ganha corpo e existe quando é materializado na imaginação do ouvinte e do contador. Aí, sim, ele estará cumprindo a sua missão essencial.Ponho uma “musiquinha” aqui nesse momento mais triste? Tocar um instrumento pode até ser, mas lembre-se sempre que a leitura que você faz do conto pode não ser a leitura que a criança faz. O ouvinte pode estar dando graças a Deus da bruxa ter acabado de vez com aquele príncipe idiota. Não imponha sua leitura, dê espaço para que a criança faça a dela. Esse é um dos nossos intuitos ao promover a Hora do Conto, lembra? Formar leitores múltiplos.E nada de finais moralizantes, viu? A moral deve ser subliminar e o tempo para a criança digerir o conto deve ser preservado sempre. Também nada de atividades imediatamente após a contação de histórias. A Hora do Conto, por si só, já é uma atividade repleta de conteúdos. Se quiser desenvolver tarefas a partir das histórias contadas, deixe para o dia seguinte, permita que a criança vá pra casa “jiboiando” o conto e possa comentar após um tempo.Quanto ao repertório... Bem, isso já é uma outra conversa. Todos nós sabemos que dar conta da vida profissional e pessoal já são tarefas suficientes para exaurir qualquer um, principalmente as mulheres. Vá trabalhando seu repertório devagar, comece com as histórias contadas pelo povo à sua volta. A criança adora ouvir contos que aconteceram bem pertinho, naquela casa abandonada no final da rua e que todo mundo evita passar em noite de lua cheia. O imaginário popular está pipocando com lendas desse tipo que são, além de tudo, um excelente antídoto para os temores infantis. Alguns educadores e pais acham que as histórias de almas penadas podem tornar a criança insegura e temerosa, mas o resultado é exatamente o oposto! Os causos de assombração levam as crianças a vencerem seus medos internos com mais facilidade, pois tudo se dá no plano do era uma vez.Uma estratégia simples e sedutora para diversificar o repertório contado em sala de aula é criar uma rede entre os educadores que atuam na escola: cada um trabalha duas a três histórias por semestre e depois se revezam visitando as turmas dos colegas. E sempre contar histórias populares, claro! Não é à toa que esse material oriundo da literatura oral se preserva até hoje. Ele fala, numa linguagem metafórica, dos percalços e embates que a criança viverá na idade adulta.Bocas à obra? Mas não se esqueçam de me contar os resultados. Como bom contador de histórias, adoro ouvi-las também!
Autor: Laerte Vargas Fonte: Uol

domingo, 4 de novembro de 2007

FINAIS INFELIZES QUE ENSINAM

E foram felizes para sempre...Você acha que toda história infantil deve terminar assim? Então, como diz a propaganda, está na hora de rever seus conceitos. Os contos de fada são considerados um pré-vestibular para a idade adulta e preparam de uma forma subjetiva, as crianças para a trajetória rumo à idade adulta que, todos nós sabemos, não implica em acertos e vitórias o tempo todo. Mas, por desinformação e imbuídos das melhores intenções, a maioria dos educadores e pais amenizam os finais dos contos de fada que não apresentam um desfecho otimista, celebrado muitas vezes com um interminável beijo de amor. Ora, todos nós sabemos que infelizmente os casamentos não duram mais "até que a morte os separe" e que, mesmo os que se perpetuam, não são um mar de rosas o tempo todo. Por que, então, ficarmos condicionados a incutir desde cedo na cabeça dos pequenos (e principalmente das meninas) a idéia de que a grande sorte da vida é um bom casamento? Estaremos fadando nossas filhas a viverem uma existência sonambúlica caso não consigam se casar? Que tal pensarmos em histórias que também apresentem outras possibilidades de crescimento e evolução existencial ou então que contem sobre princesas que disseram não ao pedido do príncipe abestalhado com cabelinho repartido no meio? Quando sentirmos dificuldade em dar voz aos contos que tratam de questões polêmicas, o melhor caminho é primeiro investigarmos a nossa formação e a criança que ainda somos internamente. Na maioria das vezes constatamos, após essa reflexão, que a dificuldade é nossa e não dos nossos alunos ou filhos. Adultos inseguros foram, na maioria das vezes, assombrados por pais igualmente temerosos. Educadores e pais que foram na infância assombrados por pais inseguros passarão "batidos" pelo Ciclo da Morte Lograda que faz parte do imaginário popular. Sempre relato uma experiência que me fez refletir muito sobre esse tema: em uma das sessões numa enfermaria pediátrica (referência em tratamento de soropositivos), estava contando "Maria vai com as outras" da saudosa Sylvia Orthof que, em determinado trecho, traz a palavra veterinário. Por não ser comum ao universo infantil, perguntei se alguém sabia o que era um veterinário. Um deles levantou o dedo e respondeu: "é o lugar para onde a gente vai quando morre". Desconcertado, mas sem perder o fio da história, respondi que veterinário é o doutor dos animais e o lugar ao qual ele havia se referido era cemitério. Segui em frente, mas saí da sessão muito "mexido". Nunca uma intervenção da platéia me ensinou tanto quanto aquela. Até então achava que por estar contando histórias em um ambiente hospitalar (e principalmente em uma enfermaria com aquelas características), deveria mostrar um mundo cor de rosa e repleto de leveza. Mas, na verdade, esse era o desejo do menino Laerte que fora criado em um ambiente no qual o tema morte era escamoteado e nunca citado. No entanto, aquele ouvinte com seu aparte me mostrou que a dificuldade era só minha e que esperava encontrar em mim um interlocutor para falar disso. A partir dali, percebi que deveria sim contar histórias alegres, mas comecei a trabalhar no meu repertório outras que tratavam de ruptura e transformação, contos em que o protagonista tinha que vencer dragões e gigantes para fazer jus ao ser feliz para sempre. Nos trabalhos com comunidades, repetimos o mesmo engano: nossa intenção é sempre enaltecer a honestidade e o amor ao próximo para um público que sofre com o tráfico ou em instituições que cuidam de menores infratores. Por que não começamos simplesmente divertindo? Não é essa uma das funções fundamentais da contação de histórias? É preciso estabelecer elos com os ouvintes e eles não se entregarão se, logo de cara, você vier desfilando conceitos e dogmas. Depois que aqueles ouvintes tiverem se divertido com a sua história de abertura, você poderá narrar os contos que dão maior ênfase à moralidade e à ética. Mas, por favor, pegue leve na moral das histórias! Nunca o indicador em riste para finalizar um conto! A moral deve ser "lida" nas entrelinhas. Sempre digo que contar histórias é "servir um banquete" e quando você se propõe a servir uma lauta refeição, não pensa em um prato só, não é mesmo? Você serve a entrada: as histórias mais leves e divertidas, facécias ou contos que enfatizem a importância do narrar. Depois, vem o prato principal: os contos mais extensos e, finalmente, a sobremesa, fábulas, lengalengas ou contos acumulativos. E aí, é só entrar pela perna do pato, sair pela perna do pinto e quem quiser que conte quatro. A contadora de histórias Rosana Mont´alverne citou em uma oficina que ouvira de um contador africano que a maior qualidade de um narrador é a brevidade. Desde então, venho refletindo sobre isso e inserindo, pouco a pouco, na minha prática. É importante que diversifiquemos os temas tratados na Hora do Conto (mesmo como preparação para o sono) para que possamos ampliar na criança as inúmeras possibilidades que a vida apresenta. Nem só de sucessos a vida é constituída; às vezes, aprendemos muito mais com os erros e uma das funções da contação de histórias é acordar a criança para a vida. E nunca exagerar: é melhor que fique um gostinho de quero mais. E, tomando minha dica para mim mesmo, vou terminando esse artigo por aqui. Quem quiser trazer questões para a coluna, é só me passar um e-mail, que vou adorar colocá-las na roda

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

POR ONDE ANDA ESSA TAL SIMPLICIDADE?



A simplicidade no contar histórias tem sido para mim uma busca incansável. Tenho assistido algumas apresentações que me fazem refletir muito acerca do que anda acontecendo com essa tal simplicidade. E quando digo assistido é porque muitas vezes saio das pretensas sessões de contadores de histórias sem levar os contos comigo. Como senão tivesse escutado com o coração as histórias narradas. Isso porque há uma necessidade tão grande de inserir recursos na performance que acaba por esvaziar o conteúdo das histórias tradicionais. Aqui entra uma musiquinha (que pode evocar o que não estou sentindo no momento), ali o contador (?) se caracteriza de um personagem e não permite que o imaginário do ouvinte crie suas próprias imagens.
Andamos nos esquecendo do sentido primeiro da arte de contar histórias: o de agregar pessoas. O jeito simples de contar e a missão de disseminador de histórias estão voltando a ser alguma coisa do passado que talvez não interesse ao mundo de hoje tão repleto de recursos e máquinas. É uma das doenças dos tempos modernos: tornar tudo descartável e com tantos invólucros para esconder a fragilidade do conteúdo que acaba por não seduzir ou faz parecer que não é para qualquer um fazer.
É preciso que se reflita a respeito disso e que não percamos de novo o fio de Ariadne que nos mostrava a possibilidade de trazer cores e sentimento para um mundo apático e sem bases afetivas.
Contar histórias é, antes de tudo, estabelecer laços. Não quero black-out, quero olhar o contador nos olhos; não quero parafernálias, quero proximidade.
Muitas vezes nas oficinas ouço depoimentos de alunos que gostam de contar histórias, mas que ''não conseguem contá-las como um contador profissional''. É quando eu evoco três vezes São Cascudo e Santa Sherazade, pois a sensação que me dá é que criaram um modelo de narrador que vai inevitavelmente levá-los a se tornarem meros repertidores de histórias.
Chegam a pedir ingenuamente autorização para contarem as histórias do meu repertório! A sede pela pesquisa, o prazer da descoberta, as juntas arranhadas na escavação (acho que isso é da Clarissa Pínkola) e o compartilhar estão sendo jogados para escanteio.
E aí podemos esperar o pior: contar histórias descascando bananas (com o foco nas bananas), contar histórias plantando bananeira de costas para os ouvintes, contar histórias sem contar histórias e outros absurdos que quem viver, não ouvirá.